Se 2021 continua sendo um ano de grandes perdas em tantos setores da vida individual e coletiva, o mesmo não se pode dizer sobre a produção literária queer brasileira. Talvez nunca se tenha publicado no Brasil tantos livros escritos por autores LGBTQIA+ quanto neste ano em que chegamos à quarta edição do Mix Literário. Da poesia e ficção aos relatos históricos, memorialistas e autobiográficos, nossa comunidade parece estar garantindo seu espaço no meio editorial brasileiro, seja para falar de experiências específicas a nossas existências dissidentes, seja para lançar um olhar queer para uma coletividade mais abrangente. Neste ano é forte a presença de autores jovens e consagrados que trazem um olhar mais amplo sobre o caos social que tem engolido até os mais privilegiados, provando em narrativas originais a sabedoria popular de que “quem vê de fora vê melhor”. Ou será que já estamos bem inseridos em todas as bolhas? Seríamos apocalípticos E integrados? Não é à toa nossa fusão provocativa entre esses dois polos culturais aparentemente inconciliáveis, tais como concebidos por Umberto Eco. Fazemos do erro nosso acerto e do fracasso nosso sucesso, como sugere Jack Halberstam, e ainda num país que é a “contribuição milionária de todos os erros” segundo a lição modernista já quase centenária. A comunidade queer brasileira e internacional tem revelado escritores e obras que ensinam a todo o meio editorial uma renovadora implosão dos conceitos de gênero literário, cânone, estilo, unidade, identidade, numa espécie de reantropofagia, como sugere uma obra do pintor indígena Denilson Baniwa. São livros que fundem tendências antes inconciliáveis, como a alta literatura e os gêneros populares, colocando a erudição a serviço do baixo ventre e o riso na pesquisa da transcendência, unindo o corpo-performance e a poesia-papel, fundando o hibridismo como ética-estética, a mescla de estilos como um modo de provocar pontes e cidades imaginárias num mundo tão dividido e hiperespecializado. Não falamos mais só para os guetos. É a diversidade desdobrando suas essências errantes contra os totalitarismos agonizantes.